terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Prólogo do meu wannabe book Reflexo Inato.

Vou nas 80 e tal páginas a4, arial 10. O livro está meio encalhadito, se calhar já sou demasiado crescida para o escrever. A história é interessante e acho que a adaptação a um argumento é uma ideia a pensar. Aqui fica a sinopse e a seguir o prólogo escrito em 2005.
Um homem dividido entre uma criança que é uma mulher e uma mulher que é uma criança. Uma alma perdida, porém não esquecida, que se passeia entre os destroços do que foi e do que poderia ter sido. Quatro pessoas ligadas por uma teia de vivências, emoções e desilusões. A verdade de cada um na mentira universal do amor, da amizade e da felicidade.

- Quando chegou eram cinco horas da tarde. A casa estava fria, silenciosa e triste. Alegrou-se por não ter de encarar nenhum dos rostos repressivos que habitualmente a recebiam. Atravessou rapidamente a sala e o corredor dos quartos, não fosse haver alguma alma esquecida por ali. Entrou no seu quarto e fechou rapidamente a porta atrás de si. Rodou a chave, uma, duas vezes. Espreitou pelo buraco da fechadura. Aparentemente estava mesmo sozinha.
Fundindo as suas costas com a porta, percorreu com o olhar o quarto. Continuava exactamente igual à última vez que lá tinha estado. As cortinas brancas imaculadas condiziam com a colcha branca da cama. Uma rosa branca natural, figurava em cima da cómoda juntamente com a imensidão de molduras, contendo fotografias de todos e de ninguém. Não lhe tinha cabido a decisão da presença de grande parte daquelas imagens no seu quarto, no entanto havia algumas pelas quais agradecia a invasão do seu espaço. Pegou na moldura que estava mais à frente, bem à frente, dos seus olhos. Era uma moldura em prata, que julgava conhecer desde sempre naquela casa. Levou-a da sala para o seu quarto fazia uns anos. Ninguém julgou se importar. Passando a barreira do vidro, estava a fotografia dos seus avós poucos dias antes de se casarem. Eram parecidos, poder-se-iam até confundir com irmãos, e nos seus sorrisos havia uma harmonia, que ela nunca tinha conhecido em casal algum. Agarrou a moldura contra o seu peito, metáfora viva dos seus velhos mortos, e ligou a aparelhagem. Tinha no leitor uma cassete que um amigo lhe tinha gravado, no tempo em que partilhavam confidências. Tocava “Boys Don’t Cry”. Sorriu. Gostava daquela música. Teve vontade de dançar. Começou a cantar a letra que conhecia tão bem e a mover o seu corpo por todo o quarto. Esgueirava-se por cima da cama, apalpava as paredes com a nuca, alçava as pernas num movimento rápido ao passar pelo sofá. Cantava, cantava e ria. Ria como já há muito não seria possível ouvi-la rir. Sentia-se bem no branco daquele quarto que contrastava com o vermelho da sua alma. Sentia-se em paz. Olhava-se em cada espelho, fazia boquinhas, caretas, poses. E rodava, rodava. Era como se a imagem que visse no espelho não fosse a sua. Como se aquela rapariga, parecida consigo, tivesse uma diferente história. Que nunca tivesse chorado as suas lágrimas nem as feito chorar aos seus.
Apercebeu-se que num dos cantos da moldura que suportava o pequeno espelho em cima da cómoda, estava presa uma fotografia. Em ritmo acelerado, cantando o refrão da música, aproximou-se para ver do que se tratava. Era a fotografia de uma menina com cerca de três ou quatro anos. Parou de cantar, de andar, de dançar. Reconheceu a menina da foto.
Olhou mais atentamente, sentindo as suas pálpebras a tremer. Ariana tinha o cabelo loiro, quase branco. Vestia um vestido azul-bebé, que deixava à mostra os seus joelhos gordos de criança. Lembrou-se de como Ariana gostava de vestir aquele vestido. Lembrou-se da sua sede de aprender e conhecer o mundo, do seu desejo de ser uma grande mulher. Deslocou os olhos da fotografia para o espelho. Olhou para dentro das suas pupilas. Olhou para dentro de si.
Estava suja e cansada. Estava destruída. O que foi e no que se tinha tornado. Incapaz de encarar Ariana menina e Ariana mulher, arremessou a pesada moldura que ainda mantinha nas mãos contra o espelho.Desfez-se em quatro grandes pedaços. Sete anos de azar, é o que dizem.
“Eles não sabem, nem sonham”.