segunda-feira, 27 de maio de 2019

Julieta de Almodovar


Vi o Julieta num voo nocturno que me trazia sozinha do Rio de Janeiro de volta ao Porto. Aterrei, descansei o que necessitava e apanhei a próxima sessão do filme no cinema. Eu precisava de ver aquele filme em "telona". O filme impressionou-me logo pela estética dos anos 70, cores muito fortes a lembrar os tons technicolor, o vermelho permanentemente presente em cada take. Os cabelos da protagonista num tom e corte a lembrar-nos as rockeiras da altura, as roupas num vinil muito próprio da época, a delicadeza no olhar que contrasta com tudo isto.
Com Julieta, Almodóvar volta aos dramas femininos, que tão bem explorou em "Tudo sobre a minha mãe" ou "Volver". E Almodóvar conhece a mulher como ninguém. Curiosamente este filme tinha o título de Silêncio, mas foi mudado dada a coincidência com a obra de Scorcese. Porque em Julieta há sem dúvida silêncios que falam, discursam, por vezes gritam. É um filme feminino e abraça como é costume neste realizador, o tema da maternidade, do crescimento da mulher, da condição única de ser mulher: mulher em Almodôvar. E é impossível que qualquer pessoa que veja este filme, homem ou mulher, não se sinta emocionado pela honestidade dos sentimentos. A vida não é um conto de fadas, e se dúvidas existissem, Pedro Almodóvar tira-nos, uma por uma, como um soco invisível no estômago. E apesar de ser um filme visceral, difícil, que exige do espectador, é também uma história acima de tudo muito bonita. Visualmente e a nível dos afectos.
Apesar da pré-nomeação para os Óscares, o vigésimo filme do consagrado cineasta espanhol, não chegou à curta lista de 2016. Esteve porém nas mais diversas listas de críticos cinematográficos como os "Dez filmes que tem mesmo de ver este ano". Porque nos dá, dá-nos imenso, e quando um filme tem a capacidade de nos dar tanto, nós temos a obrigação de o trazer connosco para casa, um pouco daquele vermelho, colado na retina, guardado no coração. Ainda bem que me cruzei com este Almodóvar enquanto cruzava o Atlântico. Tornou a minha viagem infindavelmente mais rica.

(Este texto foi publicado pela primeira vez dia 15 de Março 2017 no portal www.ricardojorgepinto.com)

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Series Finales. Damos tantos, devemos esperar receber mais?


Game of Thrones terminou Domingo deixando milhões de fãs à volta do mundo divididos entre o amor pela série e a conviccção que a última temporada não fazia jus à qualidade a que estavam habituados. Mais de 100 mil pessoas se mobilizaram para dar 1☆ no IMDB ao último episódio da série que durante 10 anos veneraram. Análises de narrativa à parte (porque não estou em posição de o fazer), é surpreendete antes de mais, constatar como as pessoas se mobilizam mais facilmente pela negativa do que pela positiva. Para expressar desagrado e revolta, do que satisfação e gratidão. E atenção, isto não é propriamente inédito em televisão.

Nos últimos dias li muitos artigos sobre series finales e acho que poucos na história da televisão  geraram consensos. Quando falamos de séries de culto, o final é quase sempre contestado. Vejamos por exemplo o último episódio de Lost ainda hoje é tido como o pior de sempre, lado a lado com Dexter.

Os fãs de HIMYM ainda não se refizeram do desgosto da morte da personagem por quem tanto esperaram (há um final alternativo, checkem no youtube, vai vos deixar com um sorriso). Os fãs de Sopranos, mais de uma década depois, ainda discutem o que foi aquela passagem para raccord negro e créditos e, enquanto alguns acharam arte, outros acharam uma aberração.

Seinfeld criou uma onda de revolta porque os fãs acharam o estilo e linguagem do último episódio fora do contexto da série e durante anos exigiram um final alternativo, o que nunca aconteceu. Estes finais ainda hoje são discutidos e relembrados e apesar do sentimento de revolta se ter apaziguado, basta vir um novo final polémico, como foi o de GOT para tudo voltar. 

Isto irá continuar a acontecer enquanto existirem séries de culto, porque as pessoas passam muitos anos a viver, vibrar e a pedir emprestada um pouco daquela história para si, e propositadamente ou não, criam expectativas que não podem corresponder à vontade de todos.

Não estou com isto a ilibar fracos desfechos, narrativas mal fechadas ou conclusões inverosimeis, 10 anos depois ainda me chateiam aqueles 5 minutos finais de Lost, que considero cheesy e mal escritos, mas não tenho dúvidas que nenhum episódio cria tanta divisão e tristeza como o último porque é a orfandade de algo a demos muito de nós e esperamos também algo em troca.

Nesta era de binge-watching, isto está a desaparecer porque os sites de streaming carregam uma temporada de cada vez, e nós sabemos que num fim de semana podemos dar cabo dela, que está ali, à mão de semear, e nem há tempo para sonhar acordado. Nem há tempo para o sentimento de investimento.

Não hajam dúvidas que esperar religiosamente pelas 2 da manhã de cada Domingo para ver um novo episódio muda alguma coisa. E isto é tudo normal. É humano.

E é até refrescante nesta era de imediatismo que vivemos. Mas não manifestem apenas desagrado. Pensem que se estão a sentir todas estas emoções foi porque a série vos trouxe muito, mesmo muito. Nós apenas nos importamos com o que gostamos. E afinal os argumentistas até foram sempre os mesmos. Cheer up!

(Preferia outro final para Lost? Talvez. Dava uma ☆ algum dia? Hell no, foi uma série do caraças e sinto-me feliz por ter sido contemporânea e a ter apanhado a conta-gotas, como se quer, durante 6 anos. 🥃 half full sempre!