terça-feira, 27 de setembro de 2011

Note to Self.


Não sei se alguma vez repararam na frase que está no fim deste blog a letras vermelhas. Diz "Não existe a verdade, apenas o verdadeiro". Não sei se alguém já a escreveu ou publicou, muito provavelmente sim, mas em 2006 quando criei o blog, achei que tinha autoridade moral para pôr um copyright numa frase que surgiu numa das muitas travessias da A3.

É muito fácil entender isto, basta perder uns segundos. O velho exemplo do livro. Um livro não é do autor ("morte do autor" e isso é do senhor Barthes e não meu) e sim de quem o lê. Pois cada um ao ler um livro, um história, imagina dela o que quiser. E a forma como essa história é interpretada muda em função das vivências de cada pessoa, da sua personalidade, das suas ambições, dos seu sonhos. E o mesmo livro pode se tornar num livro diferente para a mesma pessoa dependendo da idade com que o lê, do local que o faz, em que contexto, com que estado de espirito. Simples não é? Não existe a verdade, uma Verdade. Para isso teríamos de ser todos clones programados da mesma forma vivendo num mundo plano e sem falhas de sistema. Assim existe o que é verdadeiro para cada um, verdadeiro no seu parecer, no seu querer, no seu existir. E apesar deste conceito ser extremamente interessante e que irei ensinar aos meus filhos, há outro ainda que terá de o anteceder.

A vida não é justa. E as diferenças do que é verdadeiro para mim ou para os outros fazem essa injustiça se acentuar mais. O meu pai costumava-me dizer quando chegava a casa com dezoitos que não havia motivo para estar contente pois a escala era até 20. Que não tinha feito mais do que a minha obrigação. A vida não é justa, não nos adianta tentar ser os melhores, os mais correctos, passar noites de insónia preocupados com problemas que não são nossos. A vida não é justa. Perdemos pessoas boas que amamos enquanto somos obrigados a tolerar uma vida outras que não nos dizem nada. Vemos castelos de granito que amigos contruiram caírem aos nossos pés sem que nada possamos fazer para ajudar. Vemos palavras levadas ao vento e esforços de uma vida se transformarem em cinza, pó e nada como a Florbela Espanca gostava tanto de escrever. E um dia percebemos que as coisas não acontecem apenas aos outros e, sem aviso prévio, tiram-nos o chão sem que haja um colchão de molas para amparar a queda.

Em certas alturas da minha vida dou por mim a pensar na lucky bastard que sou. Porque sou. E penso: vou escrever isto tudo no papel, todos os motivos porque estou grata para que me possa lembrar em momentos menos bons. Apenas do azedo se conhece o doce... E por isso aqui fica o lembrete para quando andar excessivamente nas nuvens (onde ainda não consegui residência fixa) e não cair tão desamparadamente:

"A vida não é justa Raquel. Deverias saber isso melhor do que ninguém. Mas por muito que caias deves-te levantar e levantar sempre. Nunca uses este argumento como justificação para o que te corre menos bem. Porque a tua verdade, a verdade que vives genuinamente pode não ser a que outros vêm.  Mas enquanto nela acreditares nada estará perdido. Tu também não és justa e outros sentirão que não lhes fazes justiça.  Por vezes tão calculista, por vezes tão ingénua, cresce Raquel, cresce... Porque a justiça também é feita por ti. Umas vezes tens de lutar, outras terás de ceder. Certas espécies de tubarões comem os ovos de outras crias ainda dentro do utero, numa selecção muito pouco natural... Porque a vida não é justa e em todas as cadeias alimentares haverá sempre uma camada acima, sempre uma camada abaixo. Mas faz parte da tua natureza não ser apenas mais um. Agora levanta-te e vai e não te atrevas a esquecer novamente: não existe a verdade, apenas o verdadeiro."