segunda-feira, 25 de junho de 2007

Depois da Cinefilia a Telefilia

Proliferação do mercado DVD e a grande aposta nos conteúdos televisivos



Martin Scorcese, realizador consagrado, recentemente afirmou: “O Dvd foi a melhor coisa que aconteceu ao cinema”. Scorcese afirma que tem milhares de títulos e que se sente profundamente atraído pelo objecto físico, como se ao possui-lo estivesse ao mesmo tempo a possuir um bocadinho do que aquele filme representou para o cinema. Hoje em dia poucos são os filmes que levam as pessoas ao cinema. Apesar de épicos como “Guerra de Estrelas” ou infantis como “Cars”, continuarem a encher auditórios, o cinema enquanto sala de espectáculos perdeu muito da sua mística e grandiosidade. O mercado de Dvd em contrapartida está em crescimento nos últimos anos, fenómeno que nem a crescente adesão à pirataria veio prejudicar. Na verdade cada vez mais são os apreciadores de cinema que gostam de apreciar um bom filme no conforto da sua casa, onde não têm de ouvir comentários desapropriados dos vizinhos da cadeira do lado nem enfrentar o irritante ruído do mastigar das pipocas. Para além disso, ir ao cinema é cada vez mais caro, enquanto que o preço dos Dvd´s para compra tem descido vertiginosamente, impulsionando o crescente número de coleccionadores. O facto de os aparelhos de televisão terem cada vez mais qualidade a preços mais acessíveis, vem acentuar esta tendência. Hoje em dia um blockbuster no cinema, é passado três meses um blockbuster no clube de vídeo e passado seis meses um blockbuster numa qualquer cadeia de televisão, pelo que uma ida ao cinema é cada vez menos justificada.
Com as séries de televisão o ciclo de vida é ligeiramente diferente das longas e curtas metragens. Uma série implica um compromisso que se pode prolongar por várias temporadas (por exemplo a série Friends durou 10 anos) e um trabalho de bastidores muito superior ao que um filme implica. Esperar pelo horário em que uma estação transmite o episódio semanal tornou-se um acto quase religioso e que faz o espectador criar uma relação mais intimista com o seu aparelho de televisão. Por outro lado os horários inconstantes e os cortes ininterruptos na programação fazem com que muitos espectadores não tenham paciência e dedicação para seguir a série assiduamente, impulsionando a compra de packs com as séries em lojas especializados. Para além desta ser uma forma de fugir à irregularidade da programação televisiva, é uma boa solução para os coleccionadores que cada vez mais se dedicam às séries de televisão em detrimento dos filmes.
Tal como há várias décadas se fala do termo “filme de culto”, é cada vez mais comum ouvir a expressão “série de culto”. Este é um fenómeno que começou com Twin Peaks de David Lynch e explodiu no século XXI com séries como Lost, Sopranos e Nip/ Tuck. A proliferação do mercado Dvd, veio abrir caminho para uma nova geração de séries cujo período de vida ultrapassa a exibição televisiva. Os próprios clubes de vídeo fazem agora a sua grande aposta nas séries em Dvd e o lançamento de cada nova temporada para aluguer é motivo de grande destaque ao nível do lançamento de uma grande produção cinematográfica.
Isto torna o mercado cada vez mais exigente e faz com que produtores e argumentistas de televisão se esforcem cada vez mais a nível estético e formal, aproximando estas disciplinas do cinema e afastando-as da televisão. As séries actuais são cada vez mais rodadas de forma cinematográfica, levando cada episódio um período de tempo de concretização equivalente ao de uma longa metragem. Seja a nível de argumento, de desenho das personagens, de cenários, de fotografia, de montagem ou de caracterização, as séries vestem cada vez mais a identidade do cinema, pondo as grandes produtoras a apostar neste nicho e actores de renome a catapultar do grande para o pequeno ecrã. Exemplo disso são os actores Alec Baldwin, Charlie Sheen, Brooke Shields, Kyra Sedgwick e Geena Davis que após anos de sucessos cinematográficos se renderam à tentação de serem as estrelas do seu próprio show televisivo. Por outro lado a televisão devolveu a fama a actores esquecidos do grande público, como aconteceu com Teri Hatcher que com Desperate Housewives voltou às luzes da ribalta. O mesmo aconteceu anos antes com Sarah Jessica Parker que após uma sequencia de filmes série B conheceu o sucesso através de Sexo e a Cidade. Hoje Sarah Jessica Parker é uma das actrizes mais bem pagas do cinema à semelhança de Jennifer Aniston, também ela uma ex-estrela de televisão.
Lynn Fero, vice-presidente da Paramount, responsável pelos conteúdos televisivos, afirmou que a televisão é neste momento uma enorme ameaça ao cinema como nunca antes tinha sido. Numa conferência dada no Teatro Maria Matos sobre a tecnologia digital, Lynn Fero revelou que o investimento que a Paramount fez em cinema no ano 2006 foi equivalente ao que fez em televisão, algo de inédito para uma produtora de Hollywood. Fero confidenciou aos jornalistas e aos diferentes convidados na área do cinema que acredita que a televisão voltou aos seus anos dourados e que irá cada vez mais roubar espectadores às salas de cinemas. No contexto da conferência, Fero frisou ainda que a tecnologia digital é essencial para que haja uma mudança de era da cinefilia para a telefilia.

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