segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Porque é que é tão importante que um filme "em língua estrangeira" ganhe o Oscar de melhor filme?



Este ano o filme Roma tem a possibilidade de fazer aquilo que nunca foi feito. E que nunca nenhum filme esteve tão perto como o Roma de o concretizar. O quê? Ser o melhor filme do ano, ainda que falado numa língua estrangeira que não o inglês: Castelhano e e Mixtec. Vamos a alguma história.

Em 90 anos da Academia, o filme que esteve mais perto de fazer uma diferença tão grande como esta foi o The Artist em 2011. É um filme mudo com legendas em Francês (apesar de ser uma produção Americana), mas exactamente por ser um filme mudo (e Americano) entrou directamente para os nomeados a categoria de melhor filme, prémio que ganhou. Nunca foi considerado como um filme de língua estrangeira, como outros 10 antes do Roma, alguns deles nomeados nas duas frentes. Os quatro mais recentes foram Crouching Tiger, Hidden Dragon (China) em 2000, Letters from Iwo Jima (EUA, Japão) e Babel (México e EUA) em 2006, sendo que os dois entraram apenas na corrida principal por serem também falados em Inglês, e finalmente Amour em 2012 (França). 

A Academia, ao contrário do que nos habituou, tem tomado algumas escolhas mais artísticas em função de outras mais comerciais. Como quando preferiu o Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance) em detrimento do Boyhood em 2015 ou em 2017 quando anunciou como vencedor  (!!!) Moonlight e não o esperado Lalaland. Curiosamente, tanto Birdman como o vencedor do ano passado Shape of Water são produções parte mexicanas de realizadores mexicanos, Alejandro Iñárritu e Guillermo del Toro, mas que são faladas em inglês e co-produzidas pelos EUA. Ainda assim, admito que estes dois compatriotas de Alfonso Cuarón, vieram abrir caminho para aquilo que poderá acontecer. Cuarón, como é dito aqui na review do filme, realizou, produziu, montou, escreveu e fotografou Roma, que é fruto das suas memórias de infância e uma homenagem às mulheres e ao México. Se Roma ganhar, o prémio pertence exactamente a Cuarón e ao México. O único envolvimento americano aqui é a distribuição Netflix, mas já lá chegaremos.

Mas porquê então que é tão importante um filme Mexicano ganhar o Oscar-mor? Porque não há cultura americana de ver filmes com legendas. Não há cultura quase a nível mundial de ver filmes estrangeiros, que não Ingleses ou Americanos (Portugal leva um grande guilty nisto que bebe tanto e tanto do entretenimento americano). A categoria de melhor flme estrangeiro seria uma categoria que num mundo ideal deixaria de existir, e todos os filmes, sendo em que língua ou credo fossem, estariam igualmente habilitados a serem escolhido como melhor do ano, porque há muitos filmes de enormíssima qualidade feitos anualmente à volta do mundo. Mas neste momento, esta categoria é mais do que necessária para que estes filmes, ainda que poucos, se mostrem ao mundo, marquem o seu espaço, comecem a criar o hábito. Se um destes filmes ganhar, se existir a coragem para a mudança, o mundo da arte e do cinema ganha e vai ficar diferente para sempre, sem dúvida alguma. Mais do que achar que este é o melhor filme do ano, eu acredito que seja aquele que realmente pode fazer uma diferença no mundo. Coisa que o Green Book, ou o BlackKklansman ou o Bohemian Rhapsody não fará.

Por fim, a Netflix. Cannes proibiu que Roma fosse exibido durante o festival porque não admite filmes produzidos ou distribuídos por canais de streaming online. A Netflix, como outros streamings que se estão hoje a popularizar, jogam regras diferentes do jogo. Têm timmings diferentes, não revelam resultados de box office e principalmente divulgam os filmes na nossa televisão ou computador quase ao mesmo tempo que nos cinemas. Enquanto que alguns vêem aqui a morte do cinema, eu vejo a democtarização da arte que aprendi na faculdade há 15 anos, e da qual Walter Benjamin fala há 80. O nosso paradigma está a mudar da massificação para um paradigma de individualização, onde cada um tem acesso muito facilitado aos conteúdos mais adequados para si. Não seria fantástico que a duas semanas do Oscar pudessemos ver os nomeados que escolhemos na nossa televisão, ou no cinema ou até no computador se assim fosse permitido? Infelizmente e piratarias à parte, isto apenas acontece com o Roma, que contradição das contradições, é o filme mais clássico de todos, e no entanto, aquele que está mais avançado na evolução do cinema digital. E também por isto, porque o mundo está a mudar - e não podemos lutar contra o inevitável e sim jogá-lo a nosso favor pondo o mundo inteiro o ver filmes únicos como o Roma - é também importante que um filme mexicano, de um distribuidora de streaming seja o grande vencedor dia 24 deste mês no Dolby Theatre. Fingers Crossed, a garrafa de champagne já está no frio. 

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